sábado, 20 de dezembro de 2014

Visita ao Presídio Estadual Feminino de Torres, Justiça e Natal

Com o fechamento do segundo semestre de estudos do ano de 2014, os alunos do Grupo de Pesquisa em Filosofia do Direito e da disciplina de Antropologia e Sociologia Jurídicas realizaram a visitação do Presídio Estadual Feminino de Torres. Nosso objetivo era conciliar a teoria da justiça e da pena estudadas ao longo do ano em Aristóteles, Tomás de Aquino, Paul Ricoeur e Michel Foucault com a prática judiciária no Estado.

Contudo, fomos surpreendidos por uma situação institucional inesperada. Ocorre que este Presídio Feminino apresenta uma realidade que não é normalmente retratada pela imprensa. Não tem nada a ver com aquela situação degradante e desumana que é mostrada em nossos jornais e televisão. [Veja+]

 

A ideia da administração e dos funcionários da segurança é garantir que as detentas cumpram a pena a que foram condenadas. Mas isto não é feito de modo degradante e nem mesmo em um ambiente decandente. Para início de conversa, a capacidade é para 78 detentas, mas está com ocupação de apenas 61. [Dados oficiais AQUI.] Todo o local possui boas condições de habitabilidade, e conta, inclusive, com um galpão no qual as detentas são incentivadas a exercer alguma atividade, como estudo e artesanato.

Ademais, buscam fazer com que as detentas, se assim o desejarem, estejam habilitadas em alguma profissão ao sair. Além de estarem inscritas em programas habitacionais.

 

Mas há algumas dificuldades que são também particulares deste sistema prisional. Pois, como se trata de um presídio feminino, muitas vezes as detentas acabam se afastando dos familiares que deixam de realizar visitações com o passar do tempo no transcurso da pena. Infelizmente, as crianças pequenas é que mais sofrem com o afastamento das mães. Para sanar tal efeito reflexo da condenação, a administração do presídio incentiva os encontros com as famílias nas datas festivas como o Natal. Nos comovemos todos com a situação de vulnerabilidade das famílias e com o esforço das profissionais em resolver ou minimizartais danos dentro do possível e das circunstâncias. E assim, resolvemos ajudar com a arrecadação de donativos para a realização de um almoço de Natal reunindo as detentas e seus familiares.

Neste intuito, veiculamos o seguinte texto nas redes sociais:

"DOAÇÃO ÀS CRIANÇAS CARENTES:

Pessoal, eu e os alunos do Grupo de Pesquisa em Filosofia do Direito gostaríamos de finalizar o ano ajudando às pessoas em situação mais vulnerável. Neste semestre, nosso estudo sobre a justiça e a pena nos levou à visitação do Presídio Feminino de Torres. Lá, conhecemos uma situação prisional diferente da veiculada pela mídia, com profissionais empenhados em manter a segurança da sociedade com a punição das detentas, e ao mesmo preocupados com a sua reabilitação e manutenção dos seus laços familiares.

Esta é uma realidade um pouco diferente dos presídios masculinos, na medida em que as detentas normalmente não estão lá por terem praticado crimes violentos. Em geral, as condenações se devem às circunstâncias familiares e aos namorados que estão envolvidos com o tráfico de drogas. De qualquer forma, estão pagando a pena a que foram condenadas.

Contudo, outra diferença significativa é que, enquanto as esposas mantém uma visitação periódica nos presídios masculinos, nos presídios femininos, as detentas perdem o contato com a família e com os filhos, pois são raras as ocasiões de visitação.

Em todo este contexto, as crianças filhas das detentas é quem vem a sofrer um dano colateral em razão da detenção da mãe. Pois, além de ficarem separadas das mães no dia-à-dia, acabam não tendo muitos momentos de convivência familiar. Para diminuir este dano reflexo, as profissionais do presídio feminino promovem um galeto natalino em que reúnem a família em uma rara oportunidade de visitação pelos filhos. Como tudo no Estado brasileiro é carente de recursos, esta iniciativa só é possível com o auxílio do setor privado.

Assim, gostaríamos de contar com o apoio de todos para ajudar a promover este evento natalino. O auxílio pode ser dado através da doação de brinquedos, refrigerantes, ou mesmo dinheiro para que possamos adquirir os gêneros perecíveis para este almoço natalino."

Em um primeiro momento não foi muito fácil arrecadar donativos, pois muitas pessoas resistiam em ajudar detentas do sistema prisional. Ademais, estávamos no final do semestre e na semana das provas de substituições. O que nos privava de entrar em contato com um grande número de alunos e professores que já estavam de férias. Entretanto, principalmente, os alunos dos Campi Torres e Canoas foram solidários e realizam doações, pois comoveram-se com a filosofia de trabalho deste presídio e com a situação das crianças.

 

Enfim, conseguimos reunir donativos suficientes para prestar algum auxílio na festa de Natal reunindo detentas e familiares. Em 18/12/2014, fomos levar os donativos arrecadados. Sendo recebidos pela Diretora, pela Chefe de Segurança e pelos demais funcionários muito carinhosa e agradecidamente.

 

 

Ao final, conseguimos arrecadar os seguintes donativos com o esforço de todos:

1. Valor em espécie: R$ 200,00;

2. Refrigerantes: 70L;

3. Presentes para os filhos das detentas: 60 brinquedos para crianças;

4. Presentes para os filhos das detentas: 10 para adolescentes;

5. Presentes para as filhas das detentas: 62 saquinhos de doces;

6. Produtos de higiene: 2 Shampoos, 1 creme dental, 3 escovas de dentes, 5 sabonetes, 5 pacotes de absorventes, 72 rolos papel higiênico;

7. Pimentão, cenoura e uva-passa;

8. Caixas de leite condensado: 54 caixas;

9. Farinha de trigo: 25kg;

10. Caixas de livros sortidos para estudo: 5 caixas.

Com a entrega de aludidas doações, veiculamos a seguinte mensagem nas redes sociais:

"Pessoal, como todos sabem, estávamos arrecadando donativos para a realização de um almoço de Natal envolvendo as detentas e seus familiares no Presídio Feminino de Torres.

Gostaria de compartilhar com todos que ontem estivemos lá fazendo a entrega e foi maravilhoso.

Fomos recebidos muito carinhosamente pela Diretora, pela chefe da segurança e pelos demais funcionários. Friso novamente que o trabalho desenvolvido lá deve ser divulgado, pois foge a regra das demais unidades do sistema prisional. Na verdade, trata-se de uma unidade modelo. As presentes fotos são prova disto.

Acho que todos os envolvidos e os doadores conseguiram fazer alguma diferença na vida de todas essas pessoas, especialmente das crianças que acabam afastadas das mães em razão das condenações criminais."


 

A maior CONCLUSÃO de tudo isto é que fomos aprender algo a respeito da pena e de sua aplicação no Direito e na realidade prisional brasileira, mas ganhamos muito mais do que este conhecimento. O primeiro e mais evidente ganho é que mesmo a pena de prisão aplicada aos crimes mais graves não precisa ser vista como algo degradante para o apenado, mas como algo de justiça; ou seja, não como algo perverso e para o mal, e sim como algo que busca corrigir uma injustiça praticada privando o apenado da vantagem obtida sobre a sociedade com o crime, mas que também busca a sua ressocialização e reinserção na sociedade, para o bem dele próprio e da sociedade. O que ultrapassa em muito a função de Vigiar e Punir enfocada por Foucault em sua obra. E mostra que uma outra realidade é possível para o sistema prisional, já que se mostra factível neste Presídio Feminino de modo exemplar.

Segundo, mas mais importante, tendo em vista que a justiça é fundamentalmente um atributo de caráter e o justo fruto das escolhas e das ações das pessoas, aprender o que é justiça passa por ações práticas tanto quanto por estudo de teorias. Em termos práticos, aquele que faz o bem de outrem desinteressadamente mesmo nesta circunstância particular em que muitos resistiriam em ajudar é igualmente menos capaz de praticar uma injustiça. Já que quem faz o mais, também faz o menos; e se esta pessoa é capaz de uma liberalidade em favor do próximo, é ainda mais apta à prática de atos e escolhas de justiça. Assim, mais do que a pena, tivemos a oportunidade de aprender a respeito do justo, da justiça e do amor-ao-próximo! Lições estas valiosas e inesquecíveis. Ainda mais se tratando de estudantes de Direito que serão os nossos futuros juízes, promotores e advogados.

 

 

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