quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Quatro conceitos de justiça

Muitas mentes brilhantes já se dedicaram ao estudo da justiça na história da humanidade. Ao contrário da visão contemporânea que busca definir a justiça partindo do âmbito político e das instituições humanas (como o Direito, os arranjos de distribuição de funções políticas, ou dos bens e dos encargos comuns à sociedade, etc) como fez John Rawls em sua obra "Uma Teoria da Justiça" (“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento.": p. 3), os clássicos partem para defini-la desde o caráter das pessoas e segundo o caminho da investigação ética. Essas duas formas de estudar a justiça podem ser designadas respectivamente de institucionalismo político e personalismo ético.

Eu, particularmente, sustento que uma teoria personalistico-ética a respeito da justiça é mais apropriada por ser mais perfeita ao incluir também uma posição a respeito dos critérios do justo político desde o ponto de vista do bem humano, e o resguardo da racionalidade da justiça através do apelo às instituições. Assim, enquanto teorias da justiça que partem do institucionalismo político sustentam ou assumem implicitamente que a justiça das instituições é condição suficiente para a justiça da sociedade, teorias ético-personalistas sustentam que instituições humanas justas são condição necessárias, mas não suficientes para que qualquer sociedade alcance um estado de coisas e arranjos políticos justos. Colocando o mesmo de outra forma, mesmo que tenhamos instituições justas a nossa sociedade não será justa se ao menos os governantes não possuirem o caráter reto e uma preocupação com os valores morais e as virtudes.

Veja os conceitos de justiça dos clássicos e sua versão contemporânea clicando abaixo para mais informações.

O que é virtude?

Aristóteles: "A virtude [he areté] é, portanto, um hábito da escolha [hèxis proairetiké] que consiste em um termo médio relativo a nós mesmos, determinado pela razão e por aquilo que decidiria o homem prudente [ho phrónimos]. É uma mediania entre dois vícios, um por excesso e outro por defeito, e também por não alcançar em um caso e sobrepassar em outro o justo limite nas paixões e ações, enquanto que a virtude encontra e escolhe o termo médio. Por isso, desde o ponto de vista de sua entidade e da definição que enuncia sua essência, a virtude é um termo médio, porém desde o ponto de vista do melhor e do bem, um extremo." (EN, II 6 1106b 35 – 1107a 8)

 

O que é justiça?Justiça é...

 

Aristóteles: “[...] a disposição habitual de caráter [héxis] a partir da qual os homens praticam o que é justo, agem justamente e querem o justo [tò díkaion]; [...]. ” (EN V 1 1129a 4-6) Acesse o Livro V a respeito da justiça da Ética a Nicômaco <aqui>.

 

“[a] justiça é a virtude pela qual cada um tem o que lhe é próprio [hautõn], e segundo a lei [ho nómos], e a injustiça quando tem o alheio, não segundo a lei.” (RET., I 9 1366b 10-2)

 

Tomás de Aquino: “[...] a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito [ius].” (ST II-II, q. 58, a. 1, r.)

 

John Finnis: "Embora “a justiça como uma qualidade de caráter” é o tema do texto que se desenvolve na sec. VII.2, perdi a oportunidade de refletir um pouco, em algum lugar do capítulo, a respeito do fato de que a definição se refere a uma virtude – “constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere” - uma firme e durável voluntariedade em dar cada direito(s) a quem pertence(m) [“o direito dele ou dela”]. Como referido acima, o livro poderia ter atribuído, com vantagem, mais atenção à virtude como estabilidade de disposição, formada pelas escolhas duradouras, i.e., como um imanente efeito intransitivo de escolher, sendo o virtuoso e as escolhas feitas-por-virtude aqueles que são guiados precisamente pela razoabilidade prática." (Natural Law and Natural Rights 2ª ed., p. 460)


Leituras sugeridas

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica IV. Tradução bilíngue de Aldo Vannucchi [et al.]. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

------. Suma Teológica VI. Tradução bilíngue de Aldo Vannucchi [et al.]. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

------. Comentario a la Ética a Nicômaco de Aristóteles. Tradução de Ana Mallea. Pamplona: Editora Eunsa, 2001. 2ª. Ed..

ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução bilíngue de Maria Araujo e Julián Marias. Madrid: 1999. 7ª Ed..

------. Ética a Nicômaco. Tradução de António de Castro Caeiro. São Paulo: Editora Atlas, 2009.

------. Ética Nicomáquea / Ética Eudemia. Tradução de Julio Pallí Bonet. Madrid: Editorial Gredos, 2003.

------. Política. Tradução bilíngue de Antonio Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Lisboa: Veja, sem data.

------. Retorica. Tradução bilíngue de Antonio Tovar. Madrid: CEPC, 1999.

BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça Social: Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/artigos/ART_LUIS.htm>.

CORDIOLI, Leandro. A justiça dita como um atributo de caráter. In JOBIM, Marco Félix. Inquietações Jurídicas Contemporâneas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

FINNIS, John Mitchell. Aquinas Moral, Political, and Legal Theory. Oxford: Oxford University Press, 1998.

------. Direito Natural em Tomás de Aquino: sua reinserção no contexto do juspositivismo analítico. Tradução de Leandro Cordioli. Revisão de Elton Somensi de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2007.

------. Fundamentos de Ética. Tradução de Arthur Maria Ferreira Neto. Revisão de Elton Somensi de Oliveira. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2012.

------. Lei Natural e Direitos Naturais. Tradução de Leila Lopes. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007.

------. Natural Law and Natural Rights. Oxford: Clarendon Press, 1980 (1ª ed.); Oxford: Oxford Press, 2011 (2ª ed.).

GARDNER, John. Finnis on Justice. In GEORGE, Robert et al. Reason, Morality and Law. Oxford: Oxford Press, 2013.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Êutifron. Críton. Tradução de André Malta. Porto Alegre: L&PM, 2011.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

 

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